Cineasta de grandes acertos e tropeços cinematográficos, o diretor que se tornou famoso pelo sucesso com o suspense ‘Sexto Sentido’ teve uma carreira marcada pela sutileza com que trata de temas humanos inseridos em histórias fantásticas, e por suspense comparável a Hitchcock, mas também por desvios de carreira e escolhas questionáveis, como a filmagem da aventura juvenil ‘Mestre do Ar’
Nascido em uma pequena cidade da Índia, o jovem Manoj Shyamalan mudou-se ainda criança para os Estados Unidos, e cresceu em Filadélfia. Na adolescência ganhou uma câmera Super 8 e foi infectado pelo vírus do cinema. O pai queria que o jovem Manoj fizesse medicina, mas o garoto acabou sendo tragado pelo cinema.
Anos depois, frequentando a Universidade de Nova Iorque, ganhou o apelido de M. Night, e adotou o pseudônimo peculiar: M. Night Shyamalan, já uma referência ao lúgubre e sombrio da preferência pelos filmes de terror. Mas havia o pecado capital da vaidade. Shyamalan sempre faz uma ponta nos próprios filmes, e mesmo diante de sucessivas derrotas, gosta de estar também em evidência nos holofotes. Chegou a circular um hoax na internet com um documentário falso ( The Buried Secret of M. Night Shyamalan ) para o qual foram convidadas celebridades a falar sobre o aspecto misterioso da figura de Shyamalan. O que parece uma inteligente jogada de marketing, soou de forma antipática e presunçosa. Talvez seja uma fonte da má-vontade dos críticos americanos em elogiarem seu trabalho. Apesar de tudo, a carreira de Shyamalan parecia promissora.

SEXTO SENTIDO – Duplas improváveis sempre rendem ótimos filmes

Shyamalan impressionou o mundo com seu primeiro filme de sucesso comercial, “Sexto Sentido”. Classificado como um clássico instantâneo. Comparado a Alfred Hitchcock e Stanley Kubrick, a carreira do diretor prometia muito. Foram seis indicações ao Oscar, mas não levou nenhuma estatueta. O filme acumulou 33 indicações a prêmios ao longo de sua carreira e foi premiado 30 vezes em festivais de todo o mundo. Consequentemente as expectativas do público foram jogadas para o alto para seu próximo filme. Muitos dos grandes diretores falam sobre expectativas do público e da urgência da auto-superação. Essa emergência alavanca a arte e a criação humana a níveis extraordinários, mas ao mesmo tempo apavora e pode se tornar um fardo ou até mesmo aniquilar uma carreira, caso fuja do controle.
É Inevitável mencionar Federico Fellini, na onírica sequência inicial do filme 8 e ½. Marcello Mastroianni , o alter-ego de Fellini, é o motorista (dirige) um carro que está preso em um engarrafamento. As pessoas dos carros ao lado olham para ele como se aguardassem alguma atitude, e o ambiente cada vez mais opressivo e sufocante. Ele tenta escapar, sem ar, entrando em desespero. As pessoas apenas observam. O silêncio absoluto e a opressão do ambiente transformam-se em uma pacífica ventania quando o motorista consegue escapar de seu carro, abre os braços e sai flutuando sobre os carros. Liberta-se dos olhares ansiosos e da expectativa criativa. Creio que não há melhor simbolismo para a libertação em toda a história do cinema. Não é mera especulação crer que essa cena seja uma metáfora para a necessidade de libertação de um diretor sobre as expectativas do público. 8 e ½ foi feito em 1963. Em 1960 Fellini havia realizado uma obra prima do cinema: “A doce vida”. Na época, “A Doce vida” foi um marco cinematográfico, tornou-se o filme mais importante da década alcançando o status de ser uma revolução estética do cinema italiano, ao mesmo tempo em que alcançava sucesso comercial absoluto por todo o mundo. O que poderia ser feito de melhor do que isso? O mundo esperava algo mais daquele diretor fantástico.
Guardadas as devidas proporções, não quero comparar Shyamalan com Fellini, apenas fazer uma alusão que permite compreender melhor o que se passa com um sujeito que cria um longa-metragem que subitamente é transformado pela crítica e pelo público em um marco do cinema. O que o público esperava desse diretor? O que Shyamalan esperava de si mesmo?
As pressões foram enormes e o medo do fracasso pode ser maior do que o prazer da grande Vitória. Shyamalan mostrou-se grato pelo início de carreira bem sucedida, mas nunca deixou de pensar na possibilidade de derrota durante todos os seus filmes.
O próximo filme de Shyamalan foi “Corpo Fechado”, um filme interessante, no entanto não o suficiente para se equiparar a sexto-sentido, apesar de ter sido reverenciado pela crítica Européia, entrando em algumas listas de melhor filme do ano, no período. E as expectativas do público foram jogadas para o chão. Shyamalan conta que este foi seu filme mais difícil: “senti que não conseguiria fazer nada como planejado. Houveram cerca de 400 cortes de cenas no filme e eu passei a maior parte do tempo me sentindo miserável e desequilibrado”.

Corpo fechado — uma história sobre super-heróis, sem a grandiosidade e espetacularização tradicionalmente associadas a este tipo de trama.

Em um relato íntimo, Shyamalan conta que sentiu haver fracassado quando estava em uma loja de discos e foi reconhecido por dois garotos. “Olha, é o Mr. Night Shyamalan”, disse um deles. E o outro respondeu: “É, mas Corpo Fechado foi uma merda!”. Ele conta que saiu da loja sem dizer nada. Bruce Willis o aconselhou e ajudou a superar o trauma do primeiro fracasso diante do público: “Ele é como um irmão mais velho, eu devo tudo a ele”, contou Shyamalan, sobre o ator. Na época, sentiu vergonha do próprio filme, e durante muito tempo, Corpo Fechado foi a história da qual mais sentiu vergonha. “Mas agora, eu acredito que é meu favorito”, diz.
Shyamalan deve ter aprendido algumas coisas nesse período. Nas palavras dele: “Fracasso é a melhor coisa que pode acontecer com você. Eu fui honrado pela oportunidade e me sinto honrado todos os dias”.
Depois de Corpo Fechado, Veio “Sinais”. É provável que parcela do público ainda tivesse altas expectativas sobre Shyamalan, mas eu já sabia o que esperar dele: uma direção competente, um roteiro bem trabalhado com sutilezas que não serão perceptíveis para a maior parte do público, uma história fora do convencional, personagens envolventes. Mas não esperei nenhuma genialidade assombrosa. Por este motivo, “Sinais” me agradou bastante. Uma invasão alienígena contada do ponto de vista de uma família. É quase minimalista a forma como ele trata o tema, e eu até compreendo o motivo da decepção do público. A esposa de Shyamalan leu o roteiro antes do filme ser produzido, na época, e disse que foi a pior história que ele tinha escrito. Ainda assim não o dissuadiu. O público quer ver aliens de aspecto bizarro, explosões e invasões a terra como em Independence Day, o filme não é nada disso, a invasão extraterreste é o motivo pelo qual o filme apela ao público, mas ao mesmo tempo este motivo é apenas o pano de fundo. O filme soa como uma produção independente. Sem exageros, sem firulas. Isso pode ser frustrante para alguns.

A maneira como Shyamalan conta histórias, subverte tradições de gêneros. Isso pode quebrar expectativas do público. Ao mesmo tempo que é uma maneira original de narrativa, pode se tornar frustrante para a parte da audiência que não tem interesse em apreciar inovações.

Em “A Vila”, da mesma forma, o marketing propagado é: um filme de horror sobre um monstro assombrando uma vila. Mas o filme não é sobre isso, o filme é um romance sobre uma garota cega que desperta para a possibilidade de que o mundo não se resume a mediocridade e a pequenez de sua existência em uma pequena vila, mas o medo a impede de sair dali. Convenhamos que é profundidade demais para uma história sobre monstros, mas é justamente este o tempero especial dos bons filmes de Shyamalan: “A capacidade de tratar assuntos densos dentro de uma trama com ares de fantasia”. Compreendo a decepção de alguns sobre o final deste filme, provavelmente é a mesma decepção da protagonista ao se dar conta de que o ‘novo mundo’ é muito mais insosso e menos idílico do que a realidade em que ela vivia.
Não gosto de “Dama das águas”, acho um filme fraco e tedioso, por isso me sinto incapaz de analisar a obra com maior interesse.

Até hoje fico impressionado com as reações de ódio que boa parte do público tem em relação a alguns filmes do Shyamalan. Geralmente quem não gosta, não simplesmente desgosta do filme, mas passa a odiá-lo. Isso sempre me intrigou, porque é difícil permanecer indiferente a um filme destes.

Em “Fim dos Tempos”, filme odiado por muitos, o que vejo é novamente a boa e velha sutileza. O filme é uma homenagem aos filmes de terror dos anos 1950, os filmes B. Eram filmes de baixo orçamento, e os temas transitavam sobre os grandes medos da sociedade: Era período de Guerra Fria, os filmes falavam, por exemplo sobre consequências bizarras da exposição a radiação. Haviam filmes sobre aranhas, moscas e formigas gigantes. Haviam muitos filmes sobre invasões alienígenas, pois foi um período em que o homem começou a observar o espaço com mais atenção, e a pensar sobre exploração de planetas, entre outras coisas. O medo dos dias de hoje está mais relacionado ao abuso na exploração da natureza, e quais consequências sofreremos caso a natureza se revolte. Não é a toa que exista um grande crescimento de filmes sobre catástrofes naturais: furacões, terremotos, tsunamis. A natureza contra o homem.

Fim dos tempos — Uma homenagem aos filmes B das décadas de 1940 e 1950, traz várias cenas típicas desta categoria de filme. Me lembro do clima de paranóia quando os personagens se abrigam na morada de um casal de idosos. O filme sai do assunto natureza X homem e entra no suspense paranóide.

Em “Fim dos tempos”, a extinção das abelhas provoca um efeito em cadeia que acaba afetando os seres-humanos de forma direta. Quando os seres humanos são atingidos por uma porosidade emitidas pelas plantas, eles perdem suas consciências e cometem suicídio voluntário. A trama é no mínimo bizarra, mas isso é uma característica dos filmes B. Este tipo de filme de terror gira em torno dos medos primais do ser-humano: o asco, o terror pelo desconhecido e o vazio, a falta de poder e controle diante de algo muito maior. Desse ponto de vista, Shyamalan fez um grande filme, uma bela homenagem aos filmes B da década de 1940 e 1950 e ainda assim revitalizado para os tempos modernos em cima de um perigo cotidiano: As abelhas estão lentamente se extinguindo. A abelha é o animal responsável pela polinização de 80% dos cultivos do planeta. Sem polinização não há reprodução da flora, sem flora não há fauna, sem fauna e sem flora não há raça humana. O que o filme de Shyamalan fez foi, mais uma vez, captar a essência desse medo e transformar a ideia em um filme. A trama é um pouco absurda? Sim. Mas e daí? Quão absurdas não são outras tramas que admiramos. Sobre este filme, Shyamalan disse:
“Tivemos uma sessão de estréia onde algumas pessoas se assustaram e outras simplesmente não entenderam. Eu pensei: Quando vou fazer um filme em que todos vejam o mesmo filme quando forem assistir?”.

Apesar dos fracassos de crítica e de público, o conjunto da filmografia de Shyamalan ainda é uma obra interessante, com alguns tropeços. Digna de ser revista sob nova ótica. Nem todas boas obras são admiradas em seu tempo. O distanciamento é saudável neste caso.

Mas aparentemente Shyamalan estava ansioso por aceitação e popularidade.
Em 2010, Saleka Shyamalan, a filha do diretor, estava com 14 anos. Por coincidência ou não, foi o ano em que o diretor lançou “O último mestre do ar”, um filme baseado em um desenho animado de sucesso entre crianças e pré-adolescentes. Por mais que a carreira do diretor de filmes de suspense não fosse bem acolhida por muitos, a decisão de direcionar a carreira para o público infantil pode ter sido um passo arriscado demais. A péssima bilheteria e o acúmulo das críticas negativas tornou o diretor ainda mais impopular. O filme seguinte foi outro fracasso, “Depois da Terra”, um filme insosso com Will Smith e o filho Jaden Smith.
Hollywood não perdoa muitos erros e as chances do diretor de voltar a fazer grandes filmes diminui a cada passo em falso. Apesar de alguns fracassos, a carreira continua prolífica. Em 2014 filmou o longa de micro-orçamento “Sundowning”, a ser lançado ano que vem, e também dirigiu o piloto da série de suspense “Wayward pines”. Em 2015 ele retorna como diretor, trabalhando novamente com um de seus atores preferidos, Bruce Willis. O filme se chamará “Labor of Love”, mas dessa vez retorna ao que Shyamalan sabe fazer de melhor, uma narrativa pequena mas repleta de profundidade humana.
Talvez a falta de dinheiro, a impopularidade e a capacidade de caminhar na corda bamba da derrota sejam ingredientes essenciais para a filmografia alguns cineastas.
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