Texto: Alessandro Mendes
Fotos: Janine Moraes
Vídeo: Gustavo Serrate
Assessoria de Comunicação
Ministério da Cultura
Terra da poetisa Cora Coralina, do escultor Veiga Valle e do pintor Siron Franco, a Cidade de Goiás (GO), primeira capital do estado, também é casa de um grande mestre da cultura popular. Em vez de versos, cinzéis, tintas e pincéis, a matéria de trabalho de Hélio Gomes do Carmo, 71 anos, são folhas, caules, seivas e raízes, que dão origem a diversos tipos de remédios naturais, vendidos em sua loja, a Casa das Raízes, localizada no Mercado Municipal da cidade.
O gosto pelas ervas vem de família. Começou com o avô, que em 107 anos nunca tomou "comprimido de farmácia", apenas ervas naturais. "Meu avô era escravo quando veio pra Goiás. Ajudou a colocar aquelas pedras que hoje calçam as ruas da cidade. Não o conheci, mas meu pai conta que, no dia em que ele passou mal pra morrer, não deixou de jeito nenhum que lhe comprassem remédio da farmácia. ‘Não quero, vivi até hoje sem tomar isso, vai lá no canto da cozinha, pega a garrafa que está lá e traga pra mim. Vou beber é daquele remédio'."
Foi com o pai, no entanto, que Seu Hélio, como é conhecido na cidade, começou a se interessar pelas ervas naturais. "Quando eu era criança e alguém lá de casa sentia qualquer tipo de incômodo, gripe, febre, dor de barriga, qualquer coisa, meu pai falava: ‘vai a tal lugar, lá tem uma erva, você colhe ela'. E eu colhia e ele preparava para tomarmos. Era valioso, sempre dava resultado", relembra. "E hoje, por conta disso, eu tenho um pouco de conhecimento das ervas naturais. Certas qualidades eu colho, outras eu compro, outras eu preparo em casa. Graças a Deus atendo uma grande população, não só de Goiás, mas também de outras regiões", conta.
O movimento na Casa das Raízes, que também vende verduras e artesanatos, é sempre grande. Seu Hélio tem até dificuldade de se ausentar do local. "Quase não posso sair da loja. Sempre que saio me ligam, querendo algum remédio. O mesmo acontece de noite. Até tento argumentar para irem à farmácia, mas a resposta é sempre ‘não, quero remédio é da sua loja, quero uma raiz, uma erva'. E tenho que atender, né? Se me ligam meia-noite, uma, duas horas da manhã, não deixo ninguém na mão, vou atender. Se me pedem uma erva que não tenho e eu souber onde tem, vou buscar. Já fui neste carro – aponta a Caravan verde que o acompanha há anos – mais de 20 quilômetros pegar uma qualidade de erva pra uma pessoa. Muitas vezes nem compensa, mas se eu não for, quem vai? Por isso meus clientes têm muita confiança em mim."
O conhecimento e a dedicação de Seu Hélio são reconhecidos em toda a cidade, até mesmo pelos doutores. "Tem muitos médicos que mandam paciente comprar remédio na Casa das Raízes. Farmacêutico manda, curador manda, benzedor manda, feiticeiro manda. Todos eles dependem das ervas", destaca. "Medicamento de farmácia é muito caro. Muita gente chega dizendo que já gastou tudo que tinha. E às vezes um remédio de cinco reais que a pessoa compra de mim dá resultado." 
Seu Hélio conta, com orgulho, que fabrica mais de 100 variedades de remédios naturais. As que mais vendem, segundo ele, são para infecção de útero, ovário e para ajudar as mulheres a engravidar. "Às vezes chegam casais já com a idade elevada, que não conseguem arrumar filho, atrás da garrafada. Coloco mamacadela, algodãozinho, velame branco e pé-de-perdiz. Vendo uma média de 20, 30 garrafas desta por semana. Teve uma vez um casal que, depois que a mulher começou a tomar meu remédio, engravidou de gêmeos", conta.
Outros remédios muito vendidos na Casa das Raízes são o óleo de copaíba, que serve para expectorar, dor de ouvido e feridas de difícil cicatrização; a "sofre dos rins quem quer", a folha de creme e a cavalinha, para tratamento dos rins (pedra e inflamação); o barbatimão, também cicatrizante; a batata-de-purga, usada como depurativo para o sangue; e a arnica, boa para artrite, contusões, dor muscular, diarreia e varizes.
Também muito procurado na loja de Seu Hélio é o vinho de jatobá, como é conhecida a seiva da árvore. É o medicamento que demanda mais esforço para ser oferecido aos clientes. Primeiro, é preciso furar o tronco do jatobazeiro para achar a "veia" da árvore, utilizando um trado, instrumento de aço em forma de espiral. "Dá um trabalho enorme, você sua pra danar até chegar onde se dá a saída do vinho", conta. "Aí, quando começa a vazar, coloca-se um cano de ferro e um galão embaixo, para onde o líquido escorre." Com dificuldade de locomoção, que o faz caminhar com o suporte de uma bengala, Seu Hélio sobe um morro, a cada 10 dias, para recolher os três, quatro litros de vinho obtidos no período.
O trabalho, no entanto, vale muito a pena. O vinho de jatobá tem várias qualidades. "É bom pra próstata, gastrite, bactéria no estômago, cirrose, tosse, gripe. E também um tônico fortificante muito bom", explica. Seu Hélio conta que, na verdade, praticamente todas as partes do jatobá servem para a produção de remédios. "Conheço uso pra casca, pra resina, pra fruta, pra semente... Só não sei pras folhas, porque ainda não pesquisei. É uma árvore totalmente rica, sabe?".
Apesar de realizado com a profissão que escolheu, Seu Hélio tem uma preocupação que o incomoda. Como dar continuidade a seu trabalho? "Todo meu conhecimento está aqui, tudo na memória", diz, apontando a cabeça. "Meus clientes vivem me perguntando se eu estou ensinando a alguém minha atividade. E, infelizmente, a resposta é não", lamenta. "Todas as pessoas têm um dom pra alguma coisa e eu tenho que encontrar quem tenha o mesmo dom que eu. Mas ainda não encontrei alguém que tivesse interesse em aprender. Isso me preocupa muito, não ter quem represente as ervas depois que eu morrer."

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