Como uma história sobre disputa pelo DCE de uma faculdade em 1970 me ajudou a compreender a política hoje
Meu pai sempre me conta esta história que me faz refletir sobre o cerne da manipulação política.
Na década de 1970, ele fez faculdade em Brasília, e de tempos em tempos haviam eleições para decidir quem seria a próxima chapa (conjunto de candidatos apresentados para uma eleição) a controlar o DCE — Diretório Central de Estudantes.
Haviam duas chapas principais disputando a preferência dos alunos. Uma delas era a chapa da qual meu pai fazia parte, e a outra a chapa rival. A chapa do meu pai fez uma campanha política muito bem sucedida, e o planejamento convencia a maior parte dos alunos, porque era de fato bem intencionado e visava resolver problemas reais da faculdade. A chapa rival, pelo contrário, não tinha um plano claro sobre como iria “governar” o DCE, eram apenas idéias soltas, sem muita coerência, sem planejamento real.
A chapa rival ia muito mal. A chapa do meu pai estava com a maioria dos votos.
Virada de jogo
Na manhã das eleições algo estranho aconteceu. Surgiram, no campus da faculdade, milhares de folhetos atacando a chapa rival. Os folhetos espalhavam boatos de que a chapa rival era formada por um grupo de drogados picaretas, que não tinham condições de cuidar do DCE porquê eram vagabundos incapazes de concluir o ensino superior sem contar com ajuda ilícita.
Conforme os alunos foram chegando na escola, leram os papéis com as ofensas contra a chapa rival que estavam por todos os cantos, no chão, nas carteiras da sala de aula, nas cantinas. Conforme foram lendo, os alunos ficaram furiosos com as ofensas, e nas eleições votaram contra a chapa do meu pai que perdeu desastrosamente. A chapa rival, que estava praticamente na lona, venceu as eleições.
Os alunos, inclusive amigos do meu pai, acharam um absurdo, perguntaram porquê eles tinham feito aquilo. Eles disseram que não tinham feito os panfletos. Em verdade, ninguém soube de onde surgiram os panfletos, e provavelmente eles deviam ter sido plantados na calada da noite.
Perguntei ao meu pai se sabia quem da chapa dele fez os panfletos e porquê. “Para que, se já estavam com uma grande diferença de liderança?”. Meu pai explicou que não foi a chapa dele quem fez os folhetos, não havia motivos para atacar os inimigos, eles já estavam derrotados de forma honesta, ataca-los seria como chutar cachorro morto. Bastava esperar as eleições e vencer, não havia porquê agredir os rivais com ofensas tão baixas.
A ofensa contra a chapa rival os colocou na posição de vítimas, e a partir dai não importava mais os “planos políticos para o controle do DCE”, o que importava agora era apenas que os alunos tinham ódio da chapa do meu pai. Ódio. A conversa agora era sobre paixão, e não razão.
Anos depois, meu pai encontrou na rua um velho conhecido, dos tempos da faculdade. Esse sujeito fazia parte da chapa rival. Conversa vai, conversa vem, meu pai lembrou da história das eleições pelo DCE e perguntou:
“Lembra aquela votação, quando perdemos as eleições para o DCE para vocês? Foi sua chapa que criou os panfletos, não foi?”
O colega não respondeu. deu uma risada maliciosa, mas não respondeu nada. Deixou no ar. O não dito respondeu a pergunta.
“É política, é politica.”

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Algumas noções básicas que aprendi com essa história
Política nunca é o que parece
Política joga com a opinião pública
Falácias podem suplantar os fatos
Questione todas as suas certezas
Quando você está falando de política com ódio, ou com paixão, provavelmente você é o que tem as maiores chances de ser manipulado
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